sábado, 3 de março de 2012

Ciclista Fantasma

Mais um ciclista morreu, no caso uma mulher, no trânsito de São Paulo.

Pelo que consta, até era uma atleta, mas quando digo ciclista, digo um usuário de bicicleta em meio ao trânsito, quer seja urbano, rodoviário ou rural.

Diariamente, ou pelo menos frequentemente, muitos morrem nessas circunstâncias. Em alguns casos há mais repercussão, em outros nem sequer se ouve falar.


Não vou discutir aqui qual situação é mais importante (se é que isso possa ser discutido): a morte de um ciclista ou triatleta em bikes caras ou a do usuário da bike, geralmente sem nenhum glamour, que usa a magrela como meio de transporte. Isso já foi debatido na blogosfera.

Eu quero aqui dar outro enfoque.

A total falta de preparo do povo brasileiro para compartilhar a rua com qualquer tipo de meio de transporte.

É um verdadeiro vale-tudo. Todos disputando o mesmo espaço. 

A briga normalmente é desproporcional. Caminhões, ônibus, carros, motos, carroças (de catadores de papel), bikes, pedestres. Todos numa luta feroz. Todos em ponto de ebulição. Todos dispostos a defender o espaço que (acham) lhes é de direito. Ninguém dá passagem a ninguém. Não existe gentileza. Não existe educação. 

Não me excluo disso.

O trânsito é stress. Em qualquer situação. Seja no horário de rush em São Paulo, seja numa estrada a caminho das férias. Ninguém cede. O carro é a armadura.

No caso da ciclista morta em São Paulo nesta sexta feira. Ela ia de bike ao trabalho numa região movimentada e emblemática da cidade, a avenida Paulista. 

Ela foi fechada por um carro. Foi dito que, mesmo desequilibrada, tirou satisfações com o motorista barbeiro ou mal educado, ou os dois. Por conta do desequilíbrio (do corpo, pelo menos), ela foi fechada por um ônibus que vinha atrás. Novamente ficou a tirar satisfações, inclusive chegando a tirar as mãos do guidão (pra mim isso é impensável em qualquer situação). O erro fatal. Foi parar embaixo da roda de um outro ônibus.

Não quero saber de quem é a responsabilidade. A polícia é quem tem esse papel de descobrir se a culpa foi do carro, do ônibus, da ciclista...de todo mundo.

Mas...

E se depois da primeira fechada, ela com o coração na boca, tivesse ficado "na dela" e recuperado o equilíbrio (físico e mental). Seria esse o desfecho?

Mais... ainda cabe outra discussão

Isso mostra o quanto estamos preparados para lidarmos com essas situações.

Diz o código de trânsito que o veículo maior é responsável pela integridade do veículo menor e todos, em último caso, pela segurança do pedestre, como numa enorme cadeia alimentar às avessas. Então, ônibus e caminhões teriam que gentilmente assegurar o caminho seguro de carros, de motos, de bikes, de skates, de pedestres e assim por diante.

Não é o que ocorre.

Eu tenho um ranking não oficial dos veículos mais perigosos do trânsito de São Paulo. Disparado os celtinhas de operadoras de TV à cabo com escadas metálicas presas ao teto são os principais vilões do trânsito. Não sei como conseguem correr tanto com carrinhos tão fracos. Depois vem as Fiorinos BRANCAS (de outras cores, ok), na mesma situação: velocidade impensáveis em um carro instável e fraco. Depois ainda, os veículos que estão entre caminhonetes e pequenos caminhões, uma entidade chamada VUC (que acho que só existe aqui em SP), criada depois de uma série de restrições à caminhões de grande porte no centro da cidade. Têm tamanho de caminhões, carregam cargas, mas seus motoristas se portam como pilotos de formula 1.

Ao lado disto, estão todos que acham que quanto mais caros os próprios carros, mais barbaridades podem fazer.

Onde quero chegar?

O poder público incentiva o uso da bike para desafogar o trânsito. Para compensar décadas de descaso com relação ao planejamento do trânsito. Mas transfere toda e qualquer responsabilidade da segurança do ciclista para ele mesmo. Enquanto isso, o pau come solto com os veículos acima descritos.

Ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas.

A bike tá na moda.

Ciclovias são vias permanentes protegidas. São extremamente raras. Tem uma beirando o rio pinheiros que é um espetáculo, não fosse o cheiro do rio. Atraiu ciclistas e com isso ladrões. Pipocam os casos de roubos.

Ciclofaixas são ciclovias temporárias que funcionam aos domingos e feriados. Ligam os principais parques de São Paulo. Separadas do trânsito por...CONES. Perto da ponte da cidade universitária (zona oeste de São Paulo), é responsável por enormes engarrafamentos. É nítida a fúria dos motoristas, presos ao trânsito em pleno domingo por causa de....bikes. Os nervos ficam à flor da pele. As vias que dividem espaço com os cilcistas de fim de semana (e os cones) têm velocidade limitada em 40 km/h. Assim que os "gladiadores" se veem livres, aceleram ao dobro desta velocidade. Nas ciclofaixas existem crianças, pessoas com idade mais avançada, adultos que espelham a forma como dirigem, insitindo em permanecer à esquerda impedindo ultrapassagens, mudando a direção sem sinalizar, parando em qualquer lugar, mesmo com o mundo atrás dele. A chance de MERDA é iminente. Não sei como nunca aconteceu.

As ciclorrotas são vias permanentes para ciclistas que dividem espaço com o trânsito, normalmente em ruas calmas. Como se isso importasse. O motorista (de qualquer tipo de veículo) não pode ver um ciclista. Este é um intruso numa via que PERTENCE ao carro.

A questão é de educação. Não somos holandeses (ou europeus em geral). Não damos valor às bikes e aos ciclistas. Não damos valor à vida.

Via de regra, a vida vale o valor da fiança que o cara paga após matar outro ser humano no trânsito e ser solto da prisão para responder processo em liberdade e depois de anos, ter uma condenação e ser beneficiado pela progressão da pena.

E assim vamos até a próxima notícia um um ser humano morto no trânsito.  Ninguém liga muito mesmo, afinal, poucos se aventuram de bicicleta no trânsito caótico. 

Ahhhh....bicicletas fantasmas, ou ghost bikes são homenagens (alertas) que se prestam à ciclistas mortos no trânsito, sendo bikes (brancas) colocadas nos locais dos atropelamentos.

Do jeito que a coisa vai e mal educados como somos todos, a cidade vai virar um enorme monumento póstumo.

4 comentários:

  1. E eu, egoisticamente, fico desesperada agora que meu filho de 14 anos tem uma bike, um capacete e está louco para andar por aí sozinho, sentindo-se livre e autônomo. E eu, o que faço? Vou proibir o menino de sair de casa, de andar de bike? Ou deixo ele ir, colocando limites? Ou proibo de vez? Muito, muito, muito difícil decidir.

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  2. O cotidiano da prática do ciclismo nas grandes cidades do Brasil tem todos os ingredientes de um daqueles filmes de horror bem trash: sangue, violência, vítimas numerosas, assassinos mascarados e, agora, fantasmas.

    E eu sempre detestei filmes de horror. Só resta saber o quanto a paixão pelo ciclismo vai resistir a esse paradoxo.

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  3. TENHO VISTO VARIOS ATLETAS(TRIATLETAS E CICLISTAS AMADORES) MIGRAREM PRA OUTRA ATIVIDADE. A PAIXÃO PELO ESPORTE É GRANDE? SIM, ENORME, MAS O AMOR PELOS FILHOS E ESPOSAS ESPERANDO EM CASA FALA MAIS ALTO. INFELISMENTE ESTAMOS PERDENDO A BATALHA PARA OS VAMPIROS (LEIA-SE CARROS). NOTÓRIAMENTE ESTAMOS EM DESVANTAGEM DESCOMUNAL. AINDA VALE A PENA LUTAR? HONESTAEMNTE NÃO SEI MAIS. DURANTE MUITO TEMPO ACHEI QUE SIM. JÁ FUI ATACADO POR UM ´´VAMPIRO´´, ME RECUPEREI, VOLTEI A LUTAR E NOVAMENTE FUI ATACADO POR OUTRO. DESTA VEZ MAIS FORTE, QUASE ME TIROU A VIDA. DECIDI QUE NÃO ADIANTARIA MAIS LUTAR, CASO QUISESSE CONTINUAR MAIS UM TEMPO A VER O SOL SE POR. INFELISMENTE AMIGOS , PERDEMOS.....
    Leonel, ex ciclista amador, que para treinar diarimente, utilizava ruas e rodovias.

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  4. Daniel
    Sou cirurgião em uma cidade do interior. Cidade esta que por ser plana muitas pessoas utilizam como meio de transporte a bicicleta. É impresionante o número de ciclistas acidentados todos os dias, ainda que não temos o mesmo fluxo de veículo da capital.
    Também é notória a falta de respeio a falta de respeito as leis de transito tanto por ciclistas quanto por veículos, principalmente MOTOS.
    Tenho que discordar com voce quanto ao real vilão to transito. Na minha opinião o cancer a ser combatido são os motoqueiros. Para os motoqueiros não existe lei de transito, acho absurdo poder trafegar em "corredores". São tantos acidentes envolvendo motos, acidentes estes gravíssimos, em que pacientes quase sempre ficam com sequelas, gastos altíssimos com a recuperação destes, pagos por todos nós.
    Lei seca foi a maior piada que já vi. a maioria dos aciendentes continuam sendo relacionados ao alcool e outras drogas sim, balela que diminuiram os casos de motoristas bebados, quer saber porque? ninguém é punido.
    Solucão? todos já sabem, TRANSPORTE PÚBLICO.
    Agora como ir contra as montadoras, postos de gasolina, multinacionais, importadoras e etc, sendo que são exatamente estas que finaciam a campanha de nossos governantes.
    Pior ainda nós brasileiros que nos orgulhamos de ser pacíficos, porém não protestamos contra NADA e ficamos asistindo a mortes evitáveis todos os dias.
    ok, fizeram a bicicletada ontem, muita gente, muitas buzinadas, porém hoje todo mundo já esqueceu. Ou começamos a colocar no poder quem realmente nos representa ou passaremos a fazer como muitos já fizeram, abandonar nossos sonhos e desejos por achar mais fácil que lutar.
    Continuo pedalando, sabendo que poderei ser a proxima vitima dos inconsequentes ou dos bandidos.
    desculpa pelo desabafo

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