sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ironman Brasil 2011 - Eu NÃO Vim Aqui Para ANDAR!

Recapitulando, entrei na transição perguntando onde estavam minhas pernas.

Brincadeiras à parte, a perna de quem pedala por mais de 5 horas sem parar não pode estar 100%. Claro que a minha não estava. Mas, surpreendentemente, estava bem melhor do que nos três treinos acima de 180 km que eu fiz durante a preparação.

Entrei na tenda e agora sim era hora de pegar a sacola amarela de corrida.

Fácil: estava na fileira A, no final do cavalete de madeira. Fui direto nela.

Agora as coisas dentro da tenda estavam bem mais calmas, com menos gente. Sentei próximo à saída. Tirei o capacete, tirei tudo da sacola. Boné na cabeça, saquinho com os géis no bolso, meias nos pés e tênis...

POUTZZZZZZZZZZZZZZZZZ. Esqueci de desamarrar o nó nos cadarços que tinha feito para o último treino solto, já em Floripa.

Toca eu desfazer os ditos cujos. Enfia o tênis pouco chamativo nos pés e pronto. Um rolezinho de 42 km. O dia continuava espetacular. Sol, céu azul sem nenhuma nuvem.

Saí da T2 e entrei pelo tapete que passava atrás da "casa dos Blois". Logo o Rafa já estava fazendo festa e o Marcelão do lado, registrando tudo. Achei que iria encontrar o resto do time na esquina da Av. dos Búzios, mas não. Tudo bem. Depois de 21 km encontraria todo mundo.

Difícil não se empolgar nesse começo. Antes do primeiro km, eu já estava adaptado à corrida. Pernas leves, frequencia baixa e 4´30"/km de pace no Garmin......

PARA TUDO!

4´30"/km eu não chegaria em Canasvieiras.

Fui ajustando o ritmo. Passei abaixo de 5´/km os dois nos três primeiros kms. Depois fui chegando no ritmo alvo que era em torno de 5´10"/km.

Quando estava chegando no 5º km, comecei a sentir que faltava força. Acho que um gel a cada 7 kms iria ser pouco. Aguentei até chegar o 6º km e mandei o DELICIOSO Gu de chocolate pra baixo. Caiu bem. Força reestabelecida. Muita água, gatorade.

Nesse momento o Marcos me passou. Pera aí! O que o Marcos estava fazendo atrás de mim?????

Trocamos umas palavras. Ele seguiu.

Perto do km 7 ou 8, a prova vai pra Canasvieiras. Apesar de ser novato na prova, sabia que ali era a hora que o bicho pegava.


A impressão da bike se repetiu. Triatleta é um ser engraçado. Ao ver uma subida, entra em "stand by".

O primeiro morro tinha uns 300m ou menos. A inclinação era equivalente a de uma subida da biologia. Na menor das elevações, no pézinho do morro, vi todo mundo começar a andar.


Eu não vim aqui pra andar, nem por um segundo.

O ritmo caiu muito, é verdade, mas meu pace neste km com subida foi de 5´35"/km.

Depois, uma retinha e uma leve decida. Todo mundo que andou veio babando. Fui ultrapassado.  A paisagem do continente, o mar, uma marina com barcos lá embaixo e um sol de outono. Tudo era facinante. Fiquei admirando aquele quadro, sentindo que eu era um dos caras mais sortudos do mundo. Fazendo um ironman num dia como aquele. O que mais eu poderia querer?

Subida de Canasvieiras. Correndo.
 Pouco depois, uma subida DE VERDADE. A subida que tem uma igreja no topo.

Todo mundo que me passou e alguns outros mais, novamente andando.

Segui meu ritmo, não parei de correr. Subida curta de uns 100m. Depois, todo mundo me passando de novo como alucinados.

Só pra não alongar o que quero dizer com isso, antes do retorno de Canasvieiras, já tinha ultrapassado e despachado todo mundo que anda nas subidas, achando que estão se poupando. Qual a vantagem em se quebrar o ritmo desta forma, andando e depois dando um tiro pra recuperar o tempo perdido?

Nenhuma, e provei isso pra mim mesmo.

Voltei pra Jurerê.

Entrar de volta na av. dos Búzios é emocionante. A galera enche, quase invade as ruas.

Ouço um "vai Daniel" daqui, outro alí. Alguns em castelhano. Respondo, agradeço! Só de lembrar fico arrepiado!

Perto do Campanário (hotel), vejo amigos. A adrenalina sobe.

O Emerson (treinador) grita, ou tenta gritar. Já estava rouco. Pega a bike e vem pedalando do meu lado. Entusiasmado ele fala que eu tô fazendo minha estreia de uma forma espetacular. Com uma matemática que eu não entendi direito, ele disse que se fizesse a segunda metade da maratona em 6´/km, eu faria a prova em 10:30´.

Eu só disse que não precisaria subir meu ritmo pra 6´/km. Iria manter como tinha feito até alí. O relógio marcava um pace médio de 5´13"/km.

Mais a frente o MPR gritando pra todo mundo, como sempre. Ele perguntou como eu estava. Dei uma mentida pra quebrar todo mundo em volta: Estou me sentindo como se tivesse acabado de começar. Ele gritou mais ainda: "TESÃO OUVIR ISSO. TESÃO OUVIR ISSO."

Cheguei no final da avenida e vi toda minha torcida na porta de casa. Bati na mão de cada um. Estava me sentindo muito bem.

A segunda volta seriam 10 km no plano.

Resolvi dar uma poupada, recomendada pelo Emo. Subi o pace pra uns 5´20"/km. Não sei se foi bom. Comecei a sentir um pouco o peso da prova. Cansaço.

Tomei uma pespi. Não caiu bem. Não tomo mais.



Fechei a segunda volta sem falar muito com o pessoal na frente de casa. Só passei por eles com o dedo em riste. Faltava uma volta pra completar a prova. Pra realizar um sonho.

Nada mais poderia dar errado!

Hora de usar todas as reservas. O plano era voltar ao ritmo do início da prova.

A felicidade começava a tomar conta.


Esse era um momento muito esperado. Assim como o momento da largada, imaginei como seria em cada detalhe, o momento da chegada. Achei que também iria estar emocionado, com o sangue italiano fervendo, aos prantos.

Nada. Estava feliz, mas muito concentrado,muito confiante. Corria leve, corria solto, de cabeça erguida.

Tudo passava pela minha cabeça. Sentia uma enorme gratidão por todas as pessoas que fizeram parte dessa longa busca. As madrugadas em pé para treinar. Os longos dias longe da família. Os treinos que de tanta dor, quase chorava...ou às vezes chegava mesmo a chorar, sem ninguém perceber.

Os últimos 5 km foram de intensa "comemoração interna". Um sentimento estranho de querer terminar logo, ainda com o sol como testemunha, mas ao mesmo tempo querendo que nunca acabasse. Que eu pudesse viver dentro daquele sonho por mais tempo.

A av. dos Búzios tem cerca de 3 km. Entrei nela sabendo que faltavam pouco mais de 15 pro fim da prova.

Dois ou três dias antes, fiz uma corrida de 5 km por ela que pareceu demorar uma eternidade. Quando dei por mim, perdido nos meus pensamentos, já estava no hotel Campanário, faltando cerca 1,5 km pra linha de chegada. Mais gente conhecida. Equipe MPR. Gente, muita gente.

Nas minhas imaginações, pensava em chegar já de noite, com as ruas semi vazias.

O cenário era outro. Não cabia mais gente na rua. O sol estava quase se escondendo atrás das montanhas, ainda lá me esperando.

Espera sol. Eu vou chegar!!!

Quem é ironman, sabe o que eu quero dizer com "terminar de dia"!

Passei pelo pórtico que dividia quem iria pra segunda ou terceira voltas e quem iria pra chegada. Eu iria pra chegada.

Cada vez mais cheio de gente, já conseguia ver o topo das tendas onde armaram a cidade do Ironman.

De repente, vi o quarteirão onde ficava a casa dos Blois. Vi a entrada do funil de chegada. Uma onda de calor e felicidade invadiu todo o corpo. Havia gente debruçada nos alambrados. Uma multidão e eu fazia parte de tudo aquilo.

Não tive tempo de procurar minha torcida. Planejei em ir para onde eles estavam e abraçar cada um deles.

Não deu tempo. Em um piscar de olhos, a Vi e a Jujuba apareceram ao meu lado. "Cadê o resto?". Não tive tempo de perguntar. Só pensei.


A Júlia assustou-se com toda a multidão ao redor. Não podia correr o risco de não cruzar a linha com ela. Com elas.

Peguei no colo. Só um braço não iria aguentar os 15 kg. Senti o peso de cada grama destes 15 km. Tinha que segurar com os dois.

Com a Júlia no meu colo e ela de mãos dadas com a Vivi, corremos por uns 200m. Pela primeira vez no dia todo senti fraqueza, como se meus braços e minhas pernas não fossem dar conta do peso extra.

Talvez por isso não consegui olhar tanto pra passarela da chegada. Olhei muito a reação da Júlia. A cara de felicidade da Vi me chamou a atenção.

Olhei em fente, o relógio marcava 10:27' e alguns (muitos) segundos. Cheguei com menos de 10:30'.

Não ouvia nada ao redor.

Consegui ver o Marcelo na arquibancada, filmando, pulando, gritando. Ergui o braço. Comemorei com ele.

A Júlia estava quase caindo do braço. Não aguentava mais correr.

Andei, pela ptimeira vez em mais de 10 horas. Foram poucos passos.
Cheguei embaixo do pórtico de chegada. Contraí o corpo todo. Dei um grito!!!!!!!!!!

MISSÃO CUMPRIDA. MISSÃO COMPRIDA.

Quinze anos imaginando como seria um Ironman. Dois anos efetivamente vivendo ironman todos os dias. Planejando, sonhando, realizando a cada treino.

Emoção? Sim. Sem fim! Choro? Não.

Dei um beijo na filha assustada. Um longo abraço na pessoa que possibilitou a realização de tudo.

Agora, a comemoração era só minha! EU ERA UM IRONMAN daquele momento em diante, até o fim dos meus dias.

Estava inteiro. Perguntaram se eu estava me sentindo bem.

Se eu estava me sentindo bem?

Não me lembro outro dia em 38 anos em que me senti melhor do que na tarde de 29/05/2011, exatamente às 17:30!!!!

Vi gente chegando, caindo e saindo de maca. Eu estava FORTE! Eu estava inteiro. Eu estava com uma fome que nunca tinha sentido na vida.

Os que chegavam iam pra "ala hospitalar", que mais parecia um hospital de guerra ou pra uma tenda refeitório. Adivinha pra onde eu fui?

Eu? Tenda hospital, com um monte de gente suja, num lugar sujo, com gente com coragem pra "tomar um sorinho EV" no meio daquela sujeira toda. Eu sei como as coisas funcionam. Tô fora!

No caminho ouvi meu nome. A Min, minha querida prima, com o Rafa e meus pais. Nesse momento, comemorando com eles à distância, vi minha mãe chorando.

Desabei no alambrado chorando muito. Foi o momento que eu tomei consciência que eu tinha completado a prova. A tal da ficha caiu!

Levantei  e virei as costas antes que eles vissem. Não sei se perceberam meu choro ou se acharam que eu só estava muito cansado.

Nesse momento, antevi o recado que me esperava em casa. O sonho não era só meu.

Cumpri meu objetivo quando quis trazer cada uma destas pessoas comigo. Não só pra me ver, mas pra cruzar a linha de chegada comigo. Pra realizar o sonho "que se sonha junto".
Fui para a tenda. Comi a melhor PIOR pizza de toda minha vida. Uns 4 pedaços. Sorvete, coca, frutas.

Na saída, encontrei o Alcy e a Mari, irmão e namorada do Marcos. Mais do que parceiro, um amigo que fiz nessa jornada. Fui atrás dele na tenda médica. Nada sério. Estava só fazendo massagem.

Aqui ao lado, o fiel retrato do que sentíamos. O Alcy captou o retrato de duas almas lavadas. A própria felicidade fotografada num clique muito feliz. Momentos únicos assim que fazem fotos serem tão especiais. Essa sem dúvida é muito especial e bonita, apesar de protagonizadas por dois caras feios e sujos, depois de correr durante quase metade de um dia todo.  

Claro que faltava o Marquinhos, mas neste momento, ele estava mostrando pra muita gente que não é um leão de treino.

Hora de ir pra casa. O caminho ainda era longo. Check out da bike, sacolas, etc.

Cheguei em casa e fui recebido com um banho de espumante. Frio. Estava muito frio.

Entrei de roupa e tudo no banho, enquanto a família toda entrava no banheiro para conversar comigo.

Fiz muita força para cumprir o que prometi pra mim mesmo. De esperar o último ironman  chegar. Fui pra linha de chegada perto das 11 da noite. Não aguentei esperar. Estava frio. Eu estava muito cansado.

Fui pra casa dormir.

A casa foi um dos grandes diferenciais pra essa semana perfeita que passamos em Jurerê, mas ao mesmo tempo que  localização a cerca de 100m da linha de chegada era uma tranquilidade pra mim que competia, em saber que minha família não precisaria sair de casa pra me ver, tinha também um inconveniente. O som do locutor e da música até o último competidor.

Não me incomodei. Outras pessoas lá fora estavam realizando o mesmo sonho que eu.

Deitei. Dei um longo abraço na Vivi e no lugar do "boa noite", disse um "Obrigado. Por tudo". Por tudo mesmo. Desde o nosso primeiro dia juntos.

Acordei assustado depois de um tempo. Não havia mais barulho. O sono tinha me vencido, sem que eu percebesse.  A prova já tinha acabado. Já era mais de meia noite.

O Ironman já era uma boa recordação! Umas das melhores da minha vida.






Um comentário:

  1. Nossa, me emocionei com o trecho da chegada, principalmente a hora que você encontra sua esposa e logo depois vê sua mãe chorando

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